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Nascemos – episódio 8: a dor que eu temia

Alguns medos a gente carrega em silêncio. Durante toda a gravidez, eu sabia que, se precisasse fazer cesárea, teria que lidar com a dor do pós-operatório. Não era só medo, era quase uma certeza de que seria difícil. Mas existe uma distância imensa entre saber e sentir e é nessa linha que eu passei horas tentando me segurar.

Na sala de cirurgia, antes de tudo, veio a agulha nas minhas costas, a famosa raqui. Doeu. Doeu de um jeito que me fez prender a respiração. Lembro do anestesista pedindo para que eu ficasse na posição, da enfermeira dizendo que eu podia relaxar, e daquele instante confuso em que eu obedecia e já me sentia assustada. 

Ele disse para eu tentar relaxar. Mas como relaxar? 

A dor era ali, presente, e a voz dele repetindo “relaxa, se você ficar tensa dói mais” não apagava o medo.

E ele aplicou uma vez. E disse “vamos precisar repetir”.

Veio a segunda aplicação. Não foi fácil.

Depois começaram os testes: ele apertava o pescoço, apertava a barriga, perguntava se eu sentia a mesma coisa. “Tá demorando pra pegar”, ele falou. E cada vez que ouvia isso uma pontada de dúvida ia crescendo. 

Ergueram minhas pernas, fizeram mais testes. Eu já nem sabia mais o que estava sentindo; tentava responder e a sensação vinha confusa, distante. “Tá demorando um pouco mais que o normal”, repetiam, e eu só pensava em chegar logo ao momento em que aquilo fosse passado.

Quando o parto terminou, me levaram a uma salinha para esperar que a anestesia fizesse efeito ou que passasse, dependendo de qual parte você olha. 

O sono bateu forte, uma vontade de fechar os olhos e deixar tudo ir embora. Mas a  enfermeira não tirava o olho de mim: pedia para eu mexer as pernas, me encorajava a testar a sensibilidade. 

Eu tentava, devagar. As pernas estavam adormecidas e a cada tentativa parecia um esforço de lembrar que aquele corpo era meu.

Fomos, enfim, para o quarto. 

Deitada, parecia que nada acontecia. Que o corpo ainda estava anestesiado em partes, e eu me sentia quase protegida pela horizontalidade. Mas quando a enfermeira me ajudou a levantar pela primeira vez, tudo mudou. 

A dor veio de uma vez. 

Cortante, invadindo, real. 

Dei alguns passos com apoio, fui até o banheiro e, de repente, tudo ficou preto. 

Lembro só de ser sentada de volta, da enfermeira segurando meu corpo, do pressentimento doloroso de que aquilo que eu temia havia se materializado.

Não era só a dor física. 

Era a frustração de sentir o próprio corpo não obedecer.

De perceber que tarefas simples como andar e me lavar, tinham se tornado impossíveis naquele instante. 

Eu tinha imaginado a cesárea de mil jeitos, sabia que haveria dor, mas não tinha a dimensão daquele impacto: a linha entre expectativa e realidade foi rasgada ali.

No meio da vergonha, do desespero e do medo, veio também uma espécie de clareza. Sentada naquele banheiro, vendo o mundo voltar aos poucos ao lugar, eu me perguntava “como vai ser daqui pra frente?” e, ao mesmo tempo, sentia nascer uma força que eu nem sabia que existia. Não a força teatral da supermulher, mas a força quieta de quem precisa, ainda assim, seguir cuidando da sua filha e de si mesma.

Foi difícil. Doeu. E dói lembrar.

Mas foi e é parte da nossa história.

E, no processo de curar, aprendi a respeitar meu tempo. Sem pressa, sem comparações, apenas aceitando o próprio ritmo de recuperação.

Porque nascer para a Clarinha e para mim não foi só aquele instante de chegar ao mundo: foi também atravessar o que vinha depois. E isso, por mais que doa, merece ser contado com toda a verdade.

Se você quer sentir cada momento dessa parte da nossa história, assista ao Episódio 8 da série. E, se está chegando agora, aproveite para conhecer desde o começo essa jornada tão intensa e cheia de amor

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